

XVIII - A Lua
Após a clareza e a esperança oferecidas pela Estrela, o Louco continuava sua jornada, sentindo uma paz suave em seu coração. A luz interna que havia redescoberto era como uma chama tranquila, que o guiava com serenidade. Mas, à medida que avançava, a noite escurecia de forma estranha. As estrelas, que antes brilhavam fortemente no céu, começaram a se esconder atrás de nuvens espessas e cinzentas. O mundo ao redor do Louco parecia se transformar, como se ele estivesse entrando em um território onde a realidade e a ilusão se misturavam.
Caminhando com cautela, ele notou que o chão sob seus pés havia mudado. Já não era a terra firme que conhecia, mas uma superfície úmida e macia, como lama. À frente, um grande e brilhante lago de águas escuras refletia o céu noturno. Acima dele, a Lua cheia dominava o céu, lançando uma luz prateada e enigmática sobre a paisagem. Sua presença era ao mesmo tempo fascinante e inquietante.
A Lua o chamava, e o Louco sabia que estava entrando em uma fase diferente de sua jornada. O brilho lunar banhava tudo com um véu de mistério. As sombras pareciam mais profundas, e as formas ao seu redor começavam a se contorcer e a se transformar. Ele via torres no horizonte, montanhas que pareciam distantes, mas também próximas, e criaturas estranhas movendo-se na penumbra.
Enquanto ele observava a paisagem refletida nas águas escuras do lago, figuras começaram a emergir. Lobos uivavam para a Lua, e no meio deles, um cão o encarava, com os olhos brilhando como brasas. Ambos representavam os aspectos primitivos e instintivos de seu ser, aqueles que a Lua iluminava e trazia à tona. O lobo simbolizava o lado selvagem e indomável, enquanto o cão representava a domesticação, o controle que o Louco tentava exercer sobre seus próprios impulsos.
O Louco avançou lentamente até a beira do lago e olhou para o reflexo da Lua nas águas calmas. Porém, quanto mais ele olhava, mais a imagem começava a mudar. Seu próprio reflexo distorcia-se, ondulando, assumindo formas que ele não reconhecia. Ele viu rostos familiares e desconhecidos, fragmentos de memórias esquecidas e medos enterrados. O que era real? O que era ilusão? A Lua parecia brincar com sua percepção, testando-o, fazendo-o duvidar de tudo o que sabia.
Aos poucos, a voz da Lua ecoou em sua mente, suave e envolvente.
— Você entrou no meu domínio, viajante. Aqui, as verdades são fluidas, e as fronteiras entre o consciente e o inconsciente se dissolvem. O que você procura nas minhas águas?
O Louco hesitou, sabendo que a Lua não mostraria respostas claras. Seu mundo era um reino de confusão, onde as sombras podiam enganar, e os sentimentos podiam ser intensificados ao ponto de desorientação. Ele sabia que não deveria confiar em tudo o que via, mas ainda assim, algo dentro dele o impelia a continuar. A Lua não era apenas ilusão, ela também revelava o que estava oculto, trazendo à tona aspectos de si mesmo que ele talvez não quisesse enfrentar.
— Eu procuro por clareza — respondeu o Louco, sua voz ecoando no vazio ao redor. — Mas parece que quanto mais busco, mais me perco. Há algo aqui que preciso entender, mas não sei o que é.
A Lua brilhou mais intensamente, e o lago ao seu redor começou a se agitar. Ondas suaves formaram-se na superfície, criando padrões que pareciam labirintos.
— A clareza que você procura — sussurrou a Lua — não está fora de você, mas dentro. Eu não sou o Sol que ilumina com sua verdade clara e direta. Eu sou o espelho do inconsciente, das emoções que você esconde de si mesmo. Enfrentar-me é mergulhar no desconhecido, aceitar o que é obscuro em você.
O Louco percebeu que, para avançar, precisaria confrontar o que a Lua lhe mostrava: seus medos, suas ilusões, as verdades que ele evitava. Ele respirou fundo e decidiu se permitir mergulhar nas águas escuras daquele lago misterioso, guiado apenas pela luz prateada da Lua.
Ao entrar nas águas, uma sensação de frio intenso o envolveu. A profundidade do lago parecia infinita, e logo ele estava completamente submerso. Lá, no fundo, ele encontrou imagens do seu passado, seus traumas, suas dúvidas e inseguranças. Visões de caminhos não escolhidos, de medos irracionais que o haviam paralisado em vários momentos da vida. Tudo aquilo que ele tentara enterrar veio à tona, girando ao seu redor como correntes que o puxavam mais fundo.
— Esses são seus medos — disse a Lua, sua voz distante, ecoando nas profundezas. — Você pode lutar contra eles ou aceitá-los. Mas saiba que lutar contra a própria sombra só a fortalece.
O Louco entendeu. Ele não deveria resistir. Deveria acolher o que a Lua lhe mostrava, por mais desconcertante que fosse. Ele relaxou seu corpo, deixando-se levar pelas águas e aceitando cada imagem, cada sombra que emergia do fundo do seu inconsciente. E, à medida que fazia isso, o peso sobre ele começava a diminuir. As águas, antes turbulentas, tornaram-se mais calmas.
Quando finalmente emergiu à superfície, sentiu o ar fresco da noite encher seus pulmões. A Lua ainda brilhava intensamente, mas agora parecia mais amistosa, como se o tivesse testado e ele tivesse passado. Ao emergir das profundezas de si mesmo, o Louco sentia-se renovado, mas de uma maneira diferente da renovação oferecida pela Estrela. Ele não carregava mais consigo o peso de suas ilusões e medos reprimidos. Agora, estava mais consciente de suas sombras, e isso lhe dava uma nova força.
A Lua sorria suavemente para ele lá de cima, como se aprovasse sua jornada interior. O Louco soube que, a partir daquele momento, ele não precisaria temer o desconhecido, as sombras que a noite trazia, ou as ilusões que às vezes o confundiam. Ele aprendera a navegar pelos mares da incerteza, guiado por sua intuição, ciente de que a verdade nem sempre era clara, mas que, mesmo assim, poderia ser encontrada nas profundezas do inconsciente.
Com o coração mais leve e uma compreensão mais profunda de si mesmo, o Louco continuou sua jornada, sabendo que havia enfrentado a escuridão da Lua e saído transformado. Ele agora estava mais preparado do que nunca para o que viria a seguir.