

XVI - A Torre
O Louco caminhava novamente, mas agora com o peso do encontro com o Diabo gravado profundamente em sua mente. Ele havia enfrentado seus próprios desejos e ilusões, compreendido as correntes invisíveis que poderiam facilmente prendê-lo se não fosse vigilante. Embora tivesse escolhido a liberdade, ele sabia que isso exigiria uma luta constante para não cair nas armadilhas da mente. Ainda assim, ele se sentia preparado para seguir adiante.
Mas, à medida que avançava pela estrada, o céu começou a escurecer de uma forma estranha e inquietante. Nuvens espessas se reuniram rapidamente, carregadas de uma energia elétrica que fez o Louco parar e olhar para cima. Ao longe, erguia-se uma torre alta e imponente, feita de pedra antiga, atingindo o céu em desafio às tempestades que começavam a se formar ao redor.
O Louco sentiu um frio na espinha. A torre parecia um monólito de poder inabalável, uma estrutura que se ergueu desafiando o tempo, as forças naturais e os deuses. No entanto, algo estava prestes a mudar. Relâmpagos começavam a cruzar o céu, cada vez mais perto da torre, e o som crescente do trovão ecoava como um prenúncio de destruição iminente.
Curioso e inquieto, o Louco se aproximou da torre. À medida que caminhava, ele sentia a energia no ar, como se algo muito maior estivesse prestes a acontecer. Ao chegar ao pé da torre, olhou para o topo e viu uma figura esculpida na pedra, como um rei soberano que se acreditava invulnerável. No entanto, ao observar mais de perto, o Louco percebeu rachaduras na estrutura, pequenas fissuras que estavam começando a se espalhar.
De repente, um relâmpago rasgou o céu e atingiu o topo da Torre com uma força avassaladora. O som da explosão fez o Louco se abaixar instintivamente, protegendo-se do impacto. A parte superior da torre foi lançada pelos ares, pedras caíam em todas as direções, e o fogo começava a consumir o que restava da estrutura. A figura imponente esculpida no topo foi despedaçada em mil pedaços.
No caos do colapso, duas figuras foram arremessadas das alturas da Torre, um rei e uma rainha, com suas coroas brilhando momentaneamente antes de desaparecerem no abismo abaixo. Gritos de terror ecoaram no ar, mas logo foram silenciados pelo som das pedras desmoronando.
O Louco, chocado com a destruição repentina e violenta, olhou para o que restava da torre. Ela, que outrora parecia inabalável, agora jazia em ruínas, engolida pelas chamas e pelos escombros. O vento frio soprava, dispersando a fumaça e as cinzas, revelando a fragilidade daquilo que parecia eterno.
— O que isso significa? — ele sussurrou para si mesmo, atônito com o que acabara de testemunhar.
Uma voz profunda, reverberante como o trovão, respondeu de dentro de si. A torre era o símbolo da arrogância, da ilusão de segurança construída sobre alicerces frágeis. Era o lugar onde o ego se elevava acima de tudo, acreditando-se inquebrável, desafiando a natureza, a verdade e a própria existência. A queda era inevitável.
O Louco começou a entender. A torre representava tudo aquilo que o homem constrói para se proteger: as paredes do orgulho, as ilusões de controle, a sensação de invulnerabilidade. No entanto, a qualquer momento, tudo isso pode ser destruído por forças maiores e incontroláveis. O relâmpago que atingiu a torre era o despertar súbito, a verdade devastadora que não podia ser ignorada. Quando a ilusão é exposta, a queda é inevitável.
— Mas por que a destruição? Por que a queda tão brutal? — o Louco questionou, sentindo uma mistura de medo e tristeza.
A resposta veio em um sussurro através do vento.
— Porque só a destruição pode trazer o verdadeiro renascimento. O que é construído sobre falsidade, medo ou orgulho não pode durar. Quando as bases são frágeis, elas inevitavelmente desmoronam. Mas nas ruínas, há espaço para construir algo novo, algo verdadeiro.
O Louco observou os escombros em silêncio, percebendo a profundidade da lição que a torre trazia. Ele também havia erguido suas próprias torres ao longo de sua jornada: ideias, crenças e ilusões que o faziam sentir-se seguro, mas que no fundo, eram frágeis. A destruição, embora dolorosa, era necessária. Era o chamado para reconstruir, desta vez com bases mais sólidas e verdadeiras.
Ele percebeu que, muitas vezes, a vida precisaria de momentos assim, de destruição súbita, para que o crescimento real pudesse acontecer. As ilusões que ele havia criado, os muros que ele havia erguido em torno de si mesmo, precisavam cair para que ele pudesse continuar sua jornada com um entendimento mais profundo. A verdade, ainda que dolorosa, era o único caminho para a evolução.
— O que eu devo fazer agora? — perguntou o Louco, olhando para as ruínas da Torre.
— Reconstrua — respondeu a voz silenciosa dentro dele. — Mas desta vez, faça com sabedoria. Não construa muros para se proteger da vida. Construa pontes para se conectar com ela. O que você viu hoje foi o colapso do orgulho, da falsa segurança. Nas ruínas, você encontrará sua verdadeira força.
O Louco assentiu, compreendendo que a queda da torre era parte de seu próprio processo de crescimento. Ele havia sido confrontado com a verdade, de que nada externo poderia garantir sua segurança, que as bases de sua vida precisavam ser construídas internamente, com autenticidade e coragem.
Com o coração renovado, ele deu as costas à torre destruída, ciente de que novos desafios o aguardavam, mas confiante de que ele estava mais forte, mais consciente do que nunca. E enquanto caminhava, o som do trovão diminuía, e o céu começava a clarear. No horizonte, uma nova jornada o esperava, nascida das ruínas da velha.