

II - A Alta Sacerdotisa
O Louco avançava pela estrada que parecia se estender infinitamente diante dele. Agora, porém, ele caminhava com a mente mais desperta, consciente de que cada passo era uma escolha. Ele mantinha na memória as palavras do Mago, mas algo nele sentia que o conhecimento que acabara de adquirir era apenas uma fração do que precisaria para continuar.
Foi quando a paisagem a sua volta começou a mudar. As árvores se tornaram mais densas, os galhos entrelaçados como se fossem teias de segredos. O ar era mais frio e, ao mesmo tempo, envolvente, carregado de mistério e silêncio. À frente, ele avistou uma construção. Era um templo, antigo, esculpido em pedra branca, adornado com símbolos que o Louco não reconhecia. Sentiu uma energia estranha emanando do lugar, uma presença invisível, mas inegável.
Ao passar pela entrada, sentiu que estava cruzando mais do que um simples limiar físico; estava atravessando a barreira entre o consciente e o desconhecido, o tangível e o invisível.
No centro do templo, sentada em um trono de pedra entre dois pilares imponentes, estava a Sacerdotisa. Sua presença era etérea. Trajava um longo manto azul prateado que brilhava suavemente à luz que entrava por uma abertura no teto. Seu pescoço sustentava um delicado colar de prata com um pingente em forma de cruz, e em seu colo repousava um pergaminho, fechado e lacrado. Seu olhar, porém, era o que mais atraía o Louco: profundo, insondável, como um oceano de mistérios que ele mal podia compreender. Ela não disse uma palavra quando ele entrou, mas seus olhos falaram mais do que qualquer voz poderia.
O Louco parou diante dela, sentindo que estava diante de algo que ia além da mera realidade. Havia uma sabedoria ali, oculta nas entrelinhas do silêncio. Ele estava diante do véu que separava o que se sabia do que ainda estava por descobrir.
— Sei que tem muitas perguntas — disse finalmente a Sacerdotisa, sua voz suave como o vento sussurrando entre as folhas. — Mas as respostas que procura não estão todas nas palavras que pode ouvir. Algumas só poderão ser encontradas no silêncio da sua alma.
O Louco sentiu um nó na garganta. O que significava aquilo? Ele pensava estar pronto para compreender, para agir, para criar como o Mago lhe havia mostrado. Mas, agora, parecia que havia outro nível, algo mais profundo e oculto que ele não conseguia alcançar com sua mera vontade.
— Eu... não sei o que devo fazer — confessou, sua voz soando pequena naquele espaço imenso. — Aprendi com o Mago que tenho o poder de moldar meu destino, mas... sinto que algo falta.
A Sacerdotisa o observou com ternura, a ele e ao cachorrinho, como uma mãe que vê um filho à beira de uma descoberta. Ela não lhe ofereceu respostas prontas, mas ergueu o pergaminho em seu colo, deixando-o repousar em suas mãos.
— O que sabe não é o bastante. A sabedoria verdadeira está além daquilo que pode ser ensinado. A jornada que percorre exige não apenas ação e criação, mas também introspecção e conexão com o invisível.
Rompendo o selo, ela abriu o pergaminho lentamente, um brilho emanava como se estivesse vivo. Mas o Louco não conseguiu enxergar o que estava escrito. As palavras pareciam dançar diante de seus olhos, mudando de forma e desvanecendo-se como fumaça.
— Nem todas as verdades estão à vista — continuou a Sacerdotisa. — Há um véu que separa o mundo que pode tocar daquele que apenas se sente. Para cruzar essa fronteira, é preciso mais do que a força da mente ou da vontade. É preciso intuição, confiança no invisível, e a aceitação de que nem tudo será revelado quando desejar.
O Louco a encarou, sentindo que havia algo a mais por trás das palavras dela, algo que ele não conseguia alcançar por mais que tentasse.
— Como posso atravessar esse véu? — perguntou, ansioso.
— Primeiro, deve aprender a escutar o que não é dito. A intuição é o farol que te guiará nas sombras. Há coisas que não podem ser explicadas, apenas sentidas. Quando aprender a confiar no silêncio, a ouvir sua própria alma, então o caminho se tornará claro.
O Louco fechou os olhos por um momento, tentando encontrar em si a quietude que ela mencionava. Mas sua mente estava cheia de pensamentos e dúvidas. Ele se perguntava se estava pronto para essa parte da jornada, se tinha a capacidade de olhar além do visível e acessar esse conhecimento oculto que parecia escapar das suas mãos.
Quando abriu os olhos novamente, a Sacerdotisa estava sorrindo, como se soubesse exatamente o que se passava dentro dele.
— A paciência é uma aliada da intuição — disse ela calmamente. — Nem todas as respostas vêm quando as desejamos. Mas se mantiver seu coração e sua mente abertos, elas virão quando for o momento certo.
Ela enrolou o pergaminho e colocou-o de lado, seus olhos fixos no Louco.
— Leve consigo essa lição: nem tudo está à vista. Há mistérios que só se revelam a quem ousa caminhar na escuridão, confiando na própria luz interior. É tanto o Louco quanto o Mago, mas agora precisa aprender a ser também o Observador. Não apenas o que age, mas o que compreende o que está além do ato.
Sem mais palavras, a Sacerdotisa ergueu sua mão, e um véu de névoa começou a cobrir o templo. O Louco sentiu o mundo ao seu redor se dissolver, como se estivesse sendo transportado para outro lugar, ou talvez para uma nova parte de si mesmo, enquanto o cachorrinho latia assustado, pois em meio à névoa, deixou de ver por um instante o seu grande amigo.
Quando a névoa se dissipou, ele estava novamente sozinho na estrada. O templo havia desaparecido, e tudo o que restava era o silêncio. Mas, dessa vez, o silêncio não era vazio. Era cheio de possibilidades invisíveis, aguardando para serem reveladas.
Com o coração mais leve, embora ainda intrigado, o Louco continuou sua jornada. Agora, além das suas próprias escolhas e do poder de criação que trazia consigo, ele carregava um novo entendimento: havia mistérios que não podiam ser explicados, apenas sentidos. E esse era o próximo passo em sua grande jornada.