IX - O Eremita

O caminho que o Louco seguia começava a mudar mais uma vez. O calor do deserto e as dunas infindáveis lentamente deram lugar a um terreno montanhoso, e a paisagem a sua volta se tornou fria e desolada. O vento soprava de forma cortante, e as estrelas brilhavam mais intensamente à medida que a noite caía. Era como se o mundo estivesse gradualmente se distanciando de tudo o que ele conhecia, mergulhando-o em um silêncio profundo e quase solene.

O carro parou novamente, desta vez por escolha do Louco. Ele sentia um chamado interno, uma necessidade de fazer uma pausa, de olhar para dentro mais uma vez, assim como fizera quando encontrou a Força. Mas agora, não era a paixão ou os impulsos que o inquietavam. Era algo mais sutil, uma sensação de que, para avançar, ele precisava entender mais profundamente a sua própria essência.

Ao longe, ele avistou uma luz solitária, fraca, mas persistente, no alto de uma montanha íngreme. A chama parecia flutuar, protegida por uma mão invisível. O Louco, sentindo que aquela luz o chamava, começou a caminhar em direção a ela. A jornada até o topo não foi fácil. As pedras eram afiadas e o vento cortante desafiava sua resistência física e emocional. Mas, com determinação e um senso de propósito, ele subiu.

Quando finalmente alcançou o cume, o Louco encontrou um homem de idade avançada, envolto em um manto cinza que se mesclava com o ambiente árido ao redor. Em sua mão, ele segurava uma lanterna que brilhava suavemente, protegendo uma chama pequena, mas constante. O rosto do homem era sereno, marcado por rugas que contavam histórias de sabedoria e contemplação. Seus olhos, no entanto, brilhavam com uma calma profunda, como se ele tivesse encontrado respostas que o mundo não conhecia.

Esse era o Eremita.

— Subiu até aqui — disse o Eremita, sua voz baixa, mas ressoando como um eco no coração do Louco. — Não por curiosidade, mas porque seu espírito te pediu para fazê-lo. Está pronto para ouvir as respostas que não vêm de fora, mas de dentro.

O Louco sentiu que aquelas palavras tocavam algo profundo dentro de si. Ao longo de sua jornada, ele havia encontrado muitos mestres, cada um oferecendo uma lição valiosa. Mas o Eremita representava algo diferente. Ele não era um mestre que oferecia respostas prontas, era um guia que incentivava a introspecção, o autoconhecimento, a busca solitária pela verdade interior.

— Por que estou aqui? — perguntou o Louco, sentindo-se vulnerável diante da presença do Eremita. — Já aprendi tanto, mas sinto que ainda estou perdido.

O Eremita levantou a lanterna, e a chama brilhou um pouco mais forte, iluminando o rosto do Louco.

— Está aqui porque precisa aprender a buscar no silêncio as respostas que as vozes do mundo não podem te dar. Em sua jornada, encontrou muitos que te guiaram, muitos que te mostraram caminhos. Mas agora é o momento de olhar para dentro de si mesmo, de buscar a luz que carrega em seu interior.

O Louco refletiu sobre suas palavras. Ele havia seguido muitos caminhos, aprendido com mestres como o Mago, a Sacerdotisa e a Força, mas nunca havia parado completamente para olhar para si mesmo, para entender o que sua própria alma tinha a dizer. Era um viajante que buscava respostas fora de si, mas o Eremita o desafiava a procurar as respostas dentro do seu próprio ser.

— Mas como encontro essas respostas? — perguntou o Louco, sentindo-se inquieto. — O silêncio é tão vasto, tão vazio. Como posso encontrar algo lá?

O Eremita sorriu suavemente, com a paciência de alguém que compreendia as dificuldades da jornada interna.

— No vazio do silêncio, há espaço para que sua verdadeira voz possa ser ouvida. Na quietude, sem o ruído do mundo, pode discernir o que é seu e o que foi colocado sobre si por outros. Suas dúvidas, seus medos, até mesmo seus sonhos — todos eles têm suas raízes dentro de si. E é aqui, na solidão, que pode começar a vê-los claramente.

Ele apontou para a lanterna que carregava.

— Esta luz que carrego não é para mim. Ela é um reflexo da luz que cada alma carrega. Eu apenas a mantenho acesa para lembrar que, mesmo na escuridão mais profunda, há uma chama dentro de si que nunca se apaga.

O Louco observou a chama tremeluzente e, por um momento, entendeu. Ele sempre tivera aquela luz dentro de si, mas as distrações da vida e do mundo ao seu redor o haviam afastado dela. Ele se dera conta de que, para avançar em sua jornada, precisava confiar mais em sua própria intuição, em seu próprio coração.

— Então, o que devo fazer agora? — perguntou o Louco.

— Deve encontrar tempo para o silêncio, para a solitude — respondeu o Eremita. — Não precisa se afastar do mundo para sempre, mas precisa de momentos em que o ruído cesse e possa ouvir sua própria voz. Só assim poderá distinguir o que realmente importa, o que é seu, e o que é apenas um reflexo do mundo exterior.

O Louco ficou em silêncio por um longo tempo. Ele compreendia o peso daquela lição. Era mais fácil seguir os conselhos dos outros, ouvir os mestres e os guias ao longo do caminho. Mas o Eremita o desafiava a confiar mais em si mesmo, a tomar o tempo necessário para a reflexão e a contemplação.

— Eu sinto medo de estar sozinho — confessou o Louco, em um momento de honestidade.

O Eremita assentiu com empatia.

— É natural. O silêncio pode ser assustador, pois revela tudo o que tentamos esconder de nós mesmos. Mas também é nele que encontra a verdadeira força e clareza. A solidão não é um inimigo, mas um portal para a sabedoria. É no espaço da solitude que a alma respira, que a mente se acalma, e que a verdade se revela.

Com essas palavras, o Louco sentiu uma paz inesperada. Ele percebeu que o silêncio e a solidão não eram um vazio ameaçador, mas uma oportunidade de autoconhecimento. E, mais importante, que ele carregava uma luz interior, sempre pronta para guiá-lo, desde que tivesse coragem para ouvir seu brilho no silêncio.

O Eremita baixou sua lanterna e deu um passo para trás, tornando-se uma figura quase indistinguível na escuridão ao redor.

— Vá, jovem viajante. Continue sua jornada. Mas lembre-se: sempre que precisar de respostas que o mundo não pode te dar, olhe para dentro e encontre a luz que brilha silenciosamente em seu coração.

O Louco assentiu, agora com uma nova compreensão. A jornada exterior continuava, mas a verdadeira caminhada seria a interior, aquela que ele precisaria fazer em silêncio, na profundidade de sua própria alma. E, com essa nova perspectiva, ele se voltou para descer a montanha.

Seu carro o aguardava. Ele segurou as rédeas com firmeza, mas desta vez com um sentimento diferente. Ele sabia que havia muito a ser descoberto além do que os olhos podiam ver. A estrada à frente estava cheia de mistérios, mas agora ele entendia que, para transitar por ela, deveria sempre lembrar de consultar a luz que carregava em seu próprio interior, tal qual um farol pronto a guiá-lo nos momentos de dificuldade.