XI - A Justiça

O Louco continuava sua jornada, agora mais consciente do fluxo e refluxo da vida após seu encontro com a Roda da Fortuna. Ele seguia pela estrada com uma nova compreensão sobre a inconstância da existência, aceitando que nem sempre teria controle sobre o que o aguardava. E, contudo, em sua alma, uma pergunta persistia: se tudo estava em constante mudança, onde estava o equilíbrio? Onde estava a justiça que ligava as ações e as consequências, o certo e o errado?

Foi com essa inquietação que ele se deparou com uma paisagem distinta. A sua frente, erguia-se um templo grandioso, construído em mármore branco e dourado. A simetria do lugar impressionava. Cada detalhe parecia meticulosamente calculado, como se nada estivesse fora do lugar. As colunas erguiam-se em pares exatos, os degraus levavam a uma porta imponente que estava sempre aberta, mas a entrada era sombria, quase como um convite à introspecção.

O Louco se aproximou e, ao cruzar o limiar do templo, o ar ficou mais pesado, solene. No centro do salão principal, uma mulher majestosa estava sentada em um trono de ouro, rodeada por colunas brancas que refletiam a luz suave do ambiente. Sua postura era firme, e seus olhos, ocultos por uma venda de seda, transmitiam uma sensação de imparcialidade absoluta. Em uma de suas mãos, ela segurava uma espada erguida em direção ao céu, e na outra, uma balança perfeitamente equilibrada.

Essa era a Justiça.

O Louco sentiu uma mistura de reverência e apreensão ao encará-la. A mulher não o viu, ou melhor, ela não precisava vê-lo com os olhos. Sua presença era suficientemente penetrante, como se sua essência fosse capaz de captar cada movimento, cada pensamento e cada intenção que surgia de quem ousasse adentrar seu domínio.

— Seja bem-vindo — disse a Justiça, sua voz clara e serena, mas com um peso que reverberava pelo salão. — Sua jornada te trouxe até mim. Diante de mim, o equilíbrio é a lei. Aqui, as ações têm consequências, e as escolhas, peso.

O Louco, que até então havia caminhado por um mundo de incertezas e mudanças, sentiu uma estranha paz ao ouvir aquelas palavras. O equilíbrio que procurava parecia estar ali, naquele trono, na espada e na balança.

— Você governa o que é justo? — perguntou ele, cauteloso. — É você quem decide o certo e o errado?

A Justiça moveu levemente a balança, como se refletisse sobre sua pergunta, sem perder o controle.

— Eu não decido. Eu sou o reflexo das escolhas feitas. Eu equilibro o que precisa ser equilibrado, nada mais. O que é justo, já está em si. Eu apenas faço com que veja as consequências das suas ações.

O Louco ponderou aquelas palavras. Ele refletiu sobre tudo o que havia vivido até ali, os riscos que correu, as oportunidades que perdeu, as decisões que o levaram adiante. Mas também lembrou-se das vezes em que fora impulsivo, quando agira sem pensar, sem considerar o impacto de seus atos sobre si mesmo ou sobre os outros.

— Então, estou aqui para ser julgado? — perguntou ele, com um toque de incerteza na voz.

A Justiça permaneceu imóvel, mas sua presença encheu o salão com uma sensação de clareza implacável.

— Não há julgamento sem que antes haja entendimento. O julgamento não é uma punição, mas uma revelação. Diante de mim, verá os reflexos das suas escolhas. O que fizer volta para si, como a espada que fere ou protege. A justiça não é vingança, mas o equilíbrio de tudo o que foi iniciado.

O Louco sentiu o peso daquelas palavras. Sua mente voltou a momentos específicos de sua jornada — o impulso do Mago, a sabedoria da Sacerdotisa, a vitalidade da Imperatriz, o poder do Imperador, e a busca pela verdade que o Hierofante havia inspirado. Cada um deles havia oferecido uma peça para sua compreensão do mundo, mas a Justiça agora estava ali para lembrá-lo de que tudo tem uma consequência.

Ele olhou para a balança e sentiu que suas ações passadas estavam sendo medidas, pesadas, analisadas. A espada, erguida, não era uma ameaça, mas um símbolo da imparcialidade. Não havia emoção na Justiça, apenas a verdade nua e crua das escolhas e seus desdobramentos.

— Mas e se eu tiver errado? — perguntou ele, mais uma vez se permitindo a vulnerabilidade. — E se eu tiver tomado decisões impulsivas? Eu poderei reparar meus erros?

A Justiça inclinou a cabeça, a balança oscilando levemente.

— A reparação também faz parte do equilíbrio. Todo erro é uma oportunidade de aprendizado, e cada escolha errada pode ser corrigida. Mas não se esqueça: não há reparação sem reconhecimento. Primeiro, deve aceitar sua responsabilidade por suas ações. Não há verdadeira justiça sem honestidade.

O Louco sentiu o peso da responsabilidade sobre seus ombros. Até então, ele havia se deixado levar pelo fluxo da vida, sem pensar muito nas implicações dos seus atos. Mas ali, diante da Justiça, ele entendeu que não poderia avançar sem reconhecer o impacto das suas ações, para o bem ou para o mal.

— Então, o que devo fazer agora? — perguntou, sua voz mais firme, decidido a encarar a verdade.

A Justiça abaixou levemente a espada, apontando para ele, mas com a serenidade de quem oferece orientação e não punição.

— Siga sua jornada, mas agora com mais consciência de que cada passo que der terá um reflexo. A espada que empunha em sua vida pode ferir ou proteger. E a balança nunca mente. O que der ao mundo, ele te devolverá.

O Louco sentiu um nó na garganta, mas também uma clareza revigorante. Ele sabia que a Justiça não o estava julgando, mas ensinando. Ele não podia seguir em frente sem essa compreensão fundamental: que tudo o que fizesse, cada escolha, cada palavra, cada pensamento, carregava consigo um peso. E esse peso voltaria para ele, mais cedo ou mais tarde.

Com um último olhar para a Justiça, o Louco assentiu em reconhecimento. Ele compreendia agora a importância do equilíbrio, da responsabilidade, e da imparcialidade. Ele sabia que, mesmo quando a vida parecia injusta, a verdadeira justiça sempre agiria de maneiras sutis, devolvendo a cada um o que era seu por direito.

Ao deixar o templo, o Louco sentiu que sua jornada havia mudado. Ele não era mais um viajante inconsequente à mercê dos caprichos do destino. Agora, ele caminhava com a sabedoria de que a vida exige consciência e responsabilidade, e que cada ação tem um efeito inevitável, como o balanço das balanças da Justiça.