

XV - O Diabo
Após sua lição de equilíbrio com a Temperança, o Louco sentia-se mais centrado e confiante. Ele havia aprendido a fluir com a vida, a ajustar-se às circunstâncias e a encontrar harmonia interna. No entanto, à medida que avançava em sua jornada, um novo tipo de inquietação começou a surgir. O caminho a sua frente tornou-se mais escuro, e a paisagem antes harmoniosa transformou-se em um ambiente denso e opressor. Árvores retorcidas ladeavam a estrada, suas sombras projetando-se como mãos que pareciam tentar agarrá-lo.
Ao longe, ele avistou uma construção imponente, quase uma caverna, com chamas ardendo em seu interior. E no centro, sobre um trono de pedra, sentava-se uma figura imponente e sinistra. Com chifres curvados, asas escuras e olhos que brilhavam como brasa, o Diabo o aguardava.
O Louco hesitou. Ele havia ouvido falar dessa figura, uma entidade associada à escravidão, ao desejo, ao vício e à ilusão. No entanto, não era o medo que o paralisava, mas uma curiosa atração. Havia algo magnético e sedutor no Diabo. Ao redor do trono, ele via correntes pesadas que prendiam dois seres: uma figura masculina e outra feminina. Seus corpos estavam marcados pela submissão, e, apesar das correntes frouxas, eles permaneciam ali, como se não quisessem se libertar.
O Diabo sorriu quando percebeu a chegada do Louco. Sua voz era profunda e sedutora, cada palavra carregada de um poder hipnótico.
— Bem-vindo, Louco. Finalmente você chegou a minha morada. Eu sabia que eventualmente você me encontraria.
O Louco, lutando contra a atração que sentia, respirou fundo.
— Eu conheço você. Você representa a escravidão, o vício, o desejo que aprisiona. Mas eu não quero ser controlado por essas coisas. Não quero cair em suas armadilhas.
O Diabo riu suavemente, como se o comentário do Louco fosse inocente.
— Você acha que pode simplesmente evitar o que eu sou? Todos que caminham por este mundo me encontram, mais cedo ou mais tarde. Eu não sou apenas o vício ou o desejo. Eu sou os impulsos mais profundos dentro de você, aquilo que você tenta esconder ou negar. Sou o seu lado sombrio, suas obsessões, e todos os prazeres que você finge não desejar.
O Louco sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Ele não podia negar que havia partes de si mesmo que ele mantinha ocultas, aspectos que ele preferia ignorar ou suprimir. No entanto, estar diante do Diabo fazia essas partes virem à tona com uma força assustadora. Desejos reprimidos, medos ocultos, e a sensação de querer mais do que ele acreditava ser permitido.
— Você fala de desejos que nos aprisionam — disse o Louco, tentando manter-se firme. — Mas eu não quero ser escravo desses impulsos. Eu quero ser livre.
O Diabo inclinou-se ligeiramente em seu trono, seu olhar ardendo com uma intensidade crescente.
— Livre? Ah, Louco, você acha que é livre? Todos têm correntes que os prendem, mesmo que sejam invisíveis. Você já pensou sobre o que realmente controla você? O que você busca, o que você teme, o que você deseja? Eu não coloco as correntes em ninguém. Elas já estão lá. Eu apenas mostro o que você prefere não ver.
O Louco observou as figuras acorrentadas novamente. Ele percebeu que as correntes nos tornozelos eram frouxas o suficiente para serem removidas, mas os prisioneiros não tentavam se libertar. Eles estavam ali, aparentemente conformados com sua situação, como se tivessem se convencido de que as correntes eram inquebráveis.
— O que você está tentando me dizer? — perguntou o Louco, agora mais confuso do que nunca. — Essas pessoas podem se libertar, mas não o fazem. Elas escolheram ficar presas?
O Diabo acenou levemente com a cabeça, um sorriso perspicaz formando-se em seus lábios.
— Sim, Louco. Elas não querem se libertar. Porque há conforto nas correntes, nas ilusões, nos desejos desenfreados. O vício oferece uma sensação de controle, de prazer imediato. Muitas vezes, é mais fácil se render ao prazer do que enfrentar a realidade. É mais fácil fugir para o que é confortável, mesmo que isso os aprisione. E essa é a verdadeira ironia. Eu não os obrigo a nada. Eles se mantêm cativos por escolha própria.
O Louco sentiu o peso dessas palavras. Ele começou a perceber que a verdadeira prisão não era imposta pelo Diabo, mas pela mente e pelos desejos das pessoas. As correntes eram uma metáfora para as ilusões, medos e impulsos que mantinham as pessoas presas, não por uma força externa, mas por suas próprias escolhas e vícios.
— Então — o Louco disse lentamente — as correntes que prendem essas pessoas... elas não são reais?
O Diabo riu novamente, com uma risada que parecia ecoar pela caverna.
— Elas são tão reais quanto você as faz ser. Você pode se libertar a qualquer momento, mas isso exigiria que você enfrentasse o desconforto da realidade, que abandonasse os prazeres e ilusões que o confortam. Muitos preferem permanecer presos a encarar a verdade de suas próprias escolhas.
O Louco ficou em silêncio. Ele sabia que o Diabo estava certo. Ao longo de sua jornada, ele havia lutado contra seus medos e inseguranças, mas nunca realmente confrontado a parte de si que ansiava por controle, prazer e fuga. Havia algo sedutor em ceder aos impulsos, em evitar o desconforto da transformação e da mudança.
— Mas eu não quero ser escravo dos meus desejos — disse o Louco, com uma nova determinação. — Quero escolher minha liberdade, não ser controlado por impulsos que me aprisionam.
O Diabo olhou para ele com uma expressão enigmática.
— Ah, Louco, todos dizem isso. Mas quantos realmente enfrentam as correntes que os mantêm cativos? Você deve estar disposto a ver seus próprios vícios e ilusões de frente, sem fugir deles. Se quiser ser livre, deve reconhecer que a liberdade é uma escolha que vem com um preço. Um preço que muitos não estão dispostos a pagar.
O Louco refletiu profundamente. Ele sabia que o Diabo não era apenas uma figura externa, mas uma representação das forças que existiam dentro dele. O verdadeiro desafio não era enfrentar o Diabo, mas enfrentar a si mesmo, seus desejos, seus medos, suas fraquezas. Ele entendeu que a verdadeira liberdade não era simplesmente escapar dessas forças, mas reconhecê-las, compreendê-las, e fazer as pazes com elas.
Ele olhou para o Diabo, agora com uma nova clareza.
— Eu escolho encarar minhas sombras. Não quero ser prisioneiro de mim mesmo. Quero ser livre.
O Diabo sorriu, mas dessa vez, não com malícia, mas com um estranho respeito.
— Veremos, Louco. Veremos.
As correntes ao redor do Louco começaram a desaparecer, assim como as sombras que haviam se acumulado ao seu redor. Ele respirou fundo, sentindo-se mais leve, mas também ciente de que a verdadeira batalha seria interna, uma luta constante para manter-se consciente de suas escolhas e dos desejos que poderiam levá-lo de volta às correntes.