

XIII - A Morte
O Louco continuava sua caminhada, agora com um novo entendimento sobre a necessidade de pausas e sacrifícios, como havia aprendido com o Pendurado. Cada passo em sua jornada o levava mais fundo em seu processo de autodescoberta. Ele havia percebido que nem tudo estava sob seu controle e que, em certos momentos, o verdadeiro aprendizado vinha da entrega. Mas, apesar dessas revelações, o Louco não estava preparado para o que viria a seguir.
O céu começou a mudar. As cores vibrantes da paisagem deram lugar a tons mais sombrios e frios. O ar, que antes era leve, tornou-se pesado e denso. A vegetação ao redor murchava, como se estivesse sendo drenada de sua vitalidade. O Louco sentia que estava entrando em um novo território, um lugar onde a vida parecia estagnada, suspensa no limiar entre o que havia sido e o que ainda não era.
E então ele a viu.
No meio de um vasto campo desolado, uma figura solitária se destacava. Vestida com uma túnica negra, segurava uma grande foice nas mãos. Seu rosto era uma caveira vazia, os olhos ocos, sem expressão. Ao redor dela, tudo parecia morrer. Plantas, flores, e até o solo ao redor parecia ter sucumbido a sua presença. Essa era a Morte.
O Louco parou, tomado por um misto de fascínio e temor. Ele sabia o que a figura representava, mas ainda assim, a presença da Morte o fez questionar o verdadeiro propósito de seu encontro com ela.
A Morte levantou lentamente a cabeça, e apesar de não ter olhos para ver, parecia sentir a chegada do Louco.
— Finalmente, você chegou — disse ela com uma voz calma, mas profunda, como se viesse das profundezas da terra. — Todos que percorrem o caminho encontram-me em algum momento. Sou inevitável.
O Louco respirou fundo, tentando controlar seu medo.
— Eu sei quem você é — disse ele, sua voz tremendo levemente. — Mas não estou pronto para te encontrar. Ainda há tanto que preciso aprender, tanto a fazer.
A Morte balançou a cabeça, sua caveira imóvel, mas sua presença poderosa.
— Ninguém está verdadeiramente pronto para mim, Louco. No entanto, o que você teme não sou eu, mas a mudança que trago. Pois eu sou o fim, mas também o início. A verdadeira transformação só pode acontecer após minha passagem.
O Louco permaneceu imóvel, lutando para processar aquelas palavras. Ele havia visto muitas mudanças em sua jornada, mas agora, diante da Morte, ele percebia que essa transformação era diferente. Era algo definitivo, irreversível.
— Mas e se eu não quiser mudar? — perguntou ele, tentando encontrar alguma maneira de adiar o encontro. — E se eu quiser permanecer como sou?
A Morte aproximou-se lentamente, a foice em suas mãos permanecendo imóvel.
— Todos mudam, quer queiram ou não. A resistência é natural, mas não pode parar o inevitável. A transformação que trago não é apenas sobre morte física, mas sobre o renascimento. O que precisa morrer em você, Louco, não é seu corpo, mas suas antigas crenças, seus medos, seus apegos. Para continuar sua jornada, algo dentro de você deve perecer.
O Louco começou a entender o que ela estava dizendo. A Morte não estava ali para ceifar sua vida, mas para provocar uma mudança interna profunda. Ele havia se apegado a tantas coisas ao longo de sua jornada: suas ideias, suas percepções de si mesmo e do mundo ao seu redor. Mas agora, de alguma forma, ele sabia que precisava deixar essas coisas para trás.
— Então, não é o fim? — perguntou ele, sua voz mais firme.
A Morte observou-o, ou ao menos parecia fazê-lo, com uma calma eterna.
— O fim e o começo são apenas pontos de vista. Para muitos, eu sou o fim definitivo. Para outros, sou o início de algo novo. Você deve decidir o que eu sou para você.
O Louco refletiu profundamente sobre aquelas palavras. A Morte não estava ali para puni-lo ou destruí-lo, mas para guiá-lo por uma transição necessária. Havia partes de si que precisavam ser deixadas para trás, suas inseguranças, seus medos, e até mesmo a ideia de que ele precisava ter controle sobre tudo.
Ele olhou para a Morte e respirou fundo.
— O que precisa morrer em mim para que eu possa seguir em frente?
A Morte ergueu sua foice levemente, e uma brisa fria varreu o campo.
— Aquilo que você carrega e que o impede de crescer. Suas dúvidas, seus receios, a crença de que você é o mesmo de quando iniciou esta jornada. Você já não é mais o Louco que partiu de seu ponto de origem. A transformação já começou, mas para que ela seja completa, você deve abandonar o velho eu.
O Louco sentiu um nó se desfazer dentro de si. Ele percebeu que estava carregando um peso que não precisava mais carregar. Desde o início de sua jornada, ele havia acumulado medos, arrependimentos e inseguranças, e agora ele sabia que era hora de deixá-los ir. Ele precisava morrer para quem havia sido, para que pudesse renascer como quem ele estava destinado a se tornar.
— Eu aceito — disse ele, com firmeza, encarando a Morte de frente. — Aceito o que você traz, porque agora entendo que é necessário.
A Morte não sorriu, pois não tinha boca, mas sua presença suavizou-se levemente, como se o Louco tivesse passado no teste. Ela balançou a cabeça, erguendo a foice para o alto.
— Então, deixe morrer o que precisa morrer. E do túmulo do velho, o novo surgirá. Não tema a transformação, pois ela é o caminho para a verdadeira liberdade.
O Louco fechou os olhos, sentindo um vento frio atravessar seu corpo. Nesse instante, ele não era mais o mesmo. Algo dentro dele mudou, como se uma parte antiga e desgastada de si tivesse sido removida. Ele não sentia dor, apenas uma sensação de alívio e leveza, como se o fardo que ele carregava finalmente tivesse sido liberado.
Quando abriu os olhos novamente, a Morte havia desaparecido. O campo antes desolado agora começava a dar sinais de vida nova, brotos verdes surgiam da terra que antes parecia estéril, e o ar, antes denso, agora parecia mais fresco.
O Louco compreendeu. A Morte não era algo a ser temido, mas uma força necessária na jornada da transformação. O que morre dá espaço para o novo, e o novo traz crescimento e possibilidades.
Ele deu um passo à frente, sentindo-se mais leve, mais livre. Agora ele sabia que sua jornada era muito mais do que ele imaginara no início. Para alcançar seu destino final, ele precisaria se transformar muitas vezes, e a Morte seria sempre parte desse processo, uma aliada, não uma inimiga.